quarta-feira, 5 de agosto de 2009

"Cãomício" no Calçadão

de José carlos Oliveira


Reunidos no calçadão central da Avenida Atlântica, entre as ruas Souza Lima e Sá Ferreira, dezenas de cães participaram sábado à tarde de um comício autorizado, em princípio, pela Administração Regional de Copacabana. Eram cachorros das mais variadas raças e dos mais diferentes tamanhos, desde Pastores Alemães até miniaturas Pintcher. Junto ao meio-fio, no local da concentração, um carro-choque do Batalhão de Gatos, armados de unhas e dentes, garantia a ordem.

O primeiro a subir no tablado, que era um engradado de refrigerantes emborcado, foi um Poodle branquinho, de rabinho cotó.

- Nossos donos são irresponsáveis! - gritou ele.

- Abaixo os donos irresponsáveis! - respondeu a multidão raivosa (embora toda ela vacinada).

-Todo o poder aos cachorros! - prosseguiu veemente o Poodle branco, cujo focinho lembrava vagamente o de Jane Fonda, e que era tido entre o Posto 6 e o Posto 4, como líder inconteste do Dog-Power.

Em seguida, pediu a palavra um Weimaraner azulado, de olhos tristes. Do alto do caixote, falou ponderadamente:

- Meus modos, if...if... (estava chorando, o coitado)... Meus modos refletem o meu dono...Não quero mais, if... if... Não quero mais passar vergonha sujando a calçada!

- Nós tambem não! - responderam em uníssono os manifestantes caninos. Lá do meio do povo, alguem latiu com voz de Pointer:

- Nossos donos precisam aprender que lugar de cachorro fazer suas "coisas" é em casa!

- Bravo! Apoiado! - concordou a cãonalhada.

- Pipi-dog! Queremos pipi-dog - puseram-se a ladrar umas cadelinhas Basset, cinco ou seis, provavelmente da mesma ninhada. - Somos moças de família, e portanto temos direito a um lugar no apartamento onde possamos fazer nossa toalete sem que intrusos invadam a nossa privacidade!

- Muito bem! Falou! Podem crer! - entoaram em coro os cinco Dobermans que moram no Edifício Chopin, um dos mais luxuosos de Copacabana, e que fazem pipi - vejam só a heresia - na piscina do Copacabana Palace, que fica logo ali do lado.

Agora, estava no tablado um musculoso Boxer, com sua cara abobalhada e seu tradicional bom coração.

- Senhoras e senhores - disse ele - sejamos objetivos. Desejo colocar em votação uma proposta simples, de três pontos, a qual, se aprovada, será encaminhada aos nossos donos, em forma de abaixo-assinado. Primeiro ponto:

- "Quero meu pipi-dog no apartamento."

- Apoiado! - gritou a assembleia.

- Segundo ponto... Mas antes, para evitar tumulto, prefiro que os distintos companheiros, em vez de latirem, ladrarem, rosnarem e coisa e tal, balancem o rabo em sinal de aprovação. Aqueles que não mais possuem rabo poderiam uivar, mas docemente, pois uma de nossas preocupações principais há de ser a de não agravar a poluição sonora, de maneira a não indispor a opinião pública contra a nossa causa...

Todos balançaram o rabo, em silêncio. A questão do orador fora aceita. Ele então prosseguiu:

- Segundo ponto: "Queremos fazer nosso cooper canino apenas no calçadão central da Avenida Atlântica..."

Rabinhos balançaram para lá e para cá: aprovado.

- Terceiro ponto: - "É preferível que não nos levem à praia, onde involuntariamente causamos uma porção de doenças!"

Rabinhos alegres: de acordo

- Desta forma - finalizou o Boxer - poderemos afirmar que somos felizardos e que temos donos educados!

- Nosso dono vai ser superlegal! - exclamou a assembleia, esquecendo a recomendação de só balançar o rabo.

Nessa altura, todos ali estavam com vontade de fazer cocô e pipi. Sendo assim, o Poodle branco decidiu dar por encerrada a reunião, recomendando que os manifestantes se dispersassem em ordem.

Mas nesse instante, pulou no caixote um autentico Vira-Lata, magrinho, de olhos famintos, as costelas aparecendo sob o pêlo ralo, rabo entre as pernas.

- Irmãos! - bradou ele, ou melhor, soltou essa palavra num gemido. - Irmãos! Todos Somos irmãos! Todos os cachorros são iguais! Portanto, o verdadeiro problema não está no pipi-dog doméstico nem no pinicão do apartamento. O necessário é que todos nós, os de pedigrees e os de rua, os de raça e os vira-latas, tenhamos, todos, direito aos cuidados periódicos, à vacinação gratuita, à alimentação farta e balanceada, à coleira protetora com sua placa de identificação, aos banhos seguidos de talco contra pulgas... Viva pois a Revolução! Todo o poder aos cachorros, sem distinção de raça, cor ou credo!

- Uh! Fora! - gritaram os cães de luxo, que pertencem todos, naturalmente, à Direita, e preferem que as coisas continuem como estão, no plano mais amplo da justiça social. - Fora! Sarnento! Babão! Comedor de restos! Ralé!

A multidão de sócios do Kennel Club avançou na direção do anarquista, rosnando ameaçadoramente. Foi preciso que os gatos salvassem o Vira-Lata do linchamento inevitável, para os que o cercaram, dispersando a cachorrada ululante com bombas de gás lacrimogêneo.

Em seguida, o Batalhão de Gatos levou o Vira-Lata para o lugar adequado a essa espécie de agitador. Ele agora está sendo processado e é capaz de passar o resto da vida num canil presídio. Acusação: Trata-se de um CÃOMUNISTA.



















































































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